PEC da Anistia: Comissão encerra discussão de proposta que perdoa partidos, mas adia votação

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A comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa a proposta de emenda à Constituição (PEC) que anistia partidos políticos por irregularidades nas prestações de contas feitas no passado encerrou nesta quarta-feira (20) a discussão do relatório do deputado Antonio Carlos Rodrigues (PL-SP).

O relator pediu mais tempo para analisar as sugestões feitas pelos parlamentares e a votação só deve ficar para a próxima semana, na terça-feira (26), já com o retorno do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ao Brasil. O parlamentar fez parte da comitiva do presidente Lula em Nova York na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU).

O texto discutido livra os partidos de qualquer punição – como multa, devolução ou suspensão dos recursos – por irregularidades nas prestações de contas antes da data da promulgação da PEC. O perdão pode alcançar R$ 23 bilhões em recursos públicos que ainda não foram analisados pela Justiça Eleitoral.

Além disso, a proposta:

  • diminui os recursos para candidatos negros;
  • abre brecha para que um partido indique apenas homens como candidatos;
  • perdoa partidos que não repassaram cotas para mulheres e negros;
  • reserva vagas para mulheres no Legislativo.

Especialistas em transparência partidária criticam o texto e dizem que se trata da maior anistia da história aos partidos.

Se passar na comissão especial, a proposta deve ser levada ao plenário da Câmara, onde precisa passar por duas votações com pelo menos 308 votos. Em seguida, por mais duas votações no Senado com no mínimo 49 votos favoráveis.

Com exceção da anistia, que vale para o passado e por isso pode ser aprovada a qualquer tempo, as medidas que alteram regras para as próximas eleições precisam ser aprovadas e promulgadas antes do dia 6 de outubro, isto é, um ano antes do próximo pleito.

Ponto a ponto

Os principais pontos do texto são:

  • Perdão por irregularidades: livra os partidos de qualquer punição, como multa, devolução ou suspensão dos recursos, por irregularidades nas prestações de contas antes da data da promulgação da PEC. Na prática, segundo especialistas, isso impede o trabalho da Justiça Eleitoral.
  • Uso do fundo partidário para multas: o pagamento de multas ou ressarcimento por irregularidades pode ser feito com recursos públicos do fundo partidário. Mas o valor é limitado a 10% do valor recebido mensalmente pela legenda.
  • Desrespeito a cota de negros e mulheres: anistia os partidos pela falta de repasses mínimos para candidatos negros e mulheres nas eleições de 2022. Em abril do ano passado, o Congresso já tinha promulgado outra emenda que perdoou este tipo de irregularidade em eleições até 2020;
  • Perda de mandato: livra de punições por perda de mandato os partidos que tenham descumprido a cota mínima de gênero nas eleições passadas. A medida poderia reverter decisão da Justiça Eleitoral que condenou o PL por fraude à cota de gênero nas eleições de 2022 e determinou que quatro deputados estaduais eleitos para o Ceará perdessem seus mandatos.
  • Redução de verba para negros: reduz os recursos para candidatos negros nas campanhas eleitorais para 20% dos fundos eleitoral e partidário. A medida contraria entendimentos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF), que definiram que a verba para negros deve seguir proporcionalmente o número de candidatos. Por exemplo, no ano passado, pouco mais de 50% dos candidatos se autodeclararam negros – portanto, este é o percentual que deveria ter sido repassado pelas siglas. O texto também diz que os valores repassados às campanhas de candidatas negras serão computados para o cumprimento da cota de raça e de sexo.
  • Reserva de cadeiras: a partir de 2026, reserva 20% das cadeiras para as mulheres em eleições proporcionais, isto é, na Câmara dos Deputados, nas assembleias legislativas, na Câmara Legislativa do Distrito Federal e nas câmaras de vereadores do país. No ano que vem, está prevista uma regra de transição, de 15%.
  • Brecha para candidaturas apenas de homens: acaba com a obrigatoriedade de preenchimento de 30% das cotas de candidatas mulheres. Pela regra proposta, o partido deve reservar as vagas “sem a obrigatoriedade do efetivo preenchimento”. Por exemplo, se um partido tem o direito de indicar 10 candidatos, teria que reservar três vagas (30%) a mulheres, sem necessariamente preenchê-las. Neste caso, ele pode indicar sete homens candidatos e nenhuma mulher.
  • Reserva para mulheres

    Apesar de a reserva de 20% das cadeiras representar um aumento tímido em relação à Câmara dos Deputados, que hoje tem cerca de 18% das vagas ocupadas por mulheres, a bancada feminina afirma que a medida é um avanço nas câmaras municipais.

    Em 2020, mais de 900 cidades não elegeram nenhuma vereadora e em outras mais de 1,8 mil cidades apenas uma mulher foi eleita.

    Pela regra apresentada, o preenchimento das cadeiras femininas ocorreria primeiro nas chamadas “sobras” – que é o saldo de vagas remanescente após o preenchimento do quociente eleitoral. Se um partido não tiver uma candidata mulher que tenha recebido mais de 10% do quociente eleitoral em votos, a vaga passaria automaticamente a outra sigla.

    Inicialmente, a bancada feminina corria para conseguir assinaturas para uma PEC que sugeria um percentual maior – passando de 15% em 2024 e chegando a 30% em 2036. A proposta de Rodrigues, contudo, para no percentual de 20%.

    Discussão

    Integrante da comissão, a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) diz que a proposta “nasceu com um sentido: anistiar toda a bandalheira com recursos públicos”.

    A parlamentar critica, ainda, a limitação de recursos para candidaturas negras nas próximas eleições.

    “Esse texto do relatório transforma a proporcionalidade [de repasses] num teto, na prática, de 20% para candidatura de negros e negras. Olha o tamanho do retrocesso”, afirmou. “O que está se botando aqui é uma PEC de cota de 80% de recursos para as candidaturas brancas.”

    Melchionna critica, ainda, o fato de o relatório incluir um tema caro para a bancada feminina, que é a reserva de vagas, em uma proposta criticada por perdoar irregularidades partidárias.

    Em seu parecer, o relator afirma que é “inconteste que as agremiações partidárias – instituições indispensáveis à democracia, sobretudo em razão do modelo de democracia partidária consagrado pelo legislador constituinte originário de 1988 – têm enfrentado dificuldades operacionais no cumprimento das regras.”

    Ainda segundo ele, “tem causado severo prejuízo ao planejamento dos partidos as decisões judiciais proferidas em período muito próximo aos pleitos, assim como a fixação de regras que inovam a ordem jurídica eleitoral pela via dos atos normativos infralegais, em período inferior a um ano da data do pleito”.