A notícia é desastrosa. O programa atende cerca de 1,6 milhão de habitantes nos nove Estados nordestinos, norte de Minas Gerais e norte do Espírito Santo, sendo que, neste momento, as comunidades do Nordeste são as mais necessitadas.
Os carros pipa atendem 780 cidades do Nordeste, com 6.705 pipeiros levando água a 79 mil pontos.
Pelos números, dá para mensurar o impacto.
A suspensão de programa tão essencial a comunidades que precisam de água para beber, cozinhar e se higienizar tem sido creditado a problemas de dotação orçamentária do governo. Demonstra desorganização na execução orçamentária e a constatação de descontrole da gestão, passando a impressão de que o governo Bolsonaro, além de ineficiente em várias áreas, não estava preparado para descer a rampa.
Mas revela também um certo grau de insensibilidade para problemas sociais merecedores de atenção especial. A comprovação disso está no gráfico da alocação de recursos para o programa de carros pipa nos últimos anos. Em 2017, o governo federal gastou R$960 milhões com o programa; em 2018, foram R$704,8 milhões; em 2019, o volume de recursos alocados já caiu para R$643,2 milhões; R$539,2 milhões em 2020 e se reduziu a R$379,8 milhões em 2021.
As decisões de suspensão anunciadas pelo Ministério da Economia têm recebido dura contestação dos parlamentares e políticos nordestinos. A bancada federal da Paraíba age prontamente e a esperança é de que, em meio ao desvairado sorteio do que será pago ou não no fechamento das contas do governo, o programa de carros pipa seja salvo.
Contudo, o problema enseja em reflexão mais substancial. Até quando um 1,6 milhão de brasileiros da região de semiárido vão ficar dependendo de carros pipa?
Estarrece a informação de que o programa, classificado como emergencial, existe desde 1998, ou seja, há 24 anos. Antes de formalização do programa no governo Fernando Henrique Cardoso, periodicamente, o governo federal já atendia algumas regiões com carros pipa.
Por que um programa emergencial está se eternizando?
Pela incapacidade de os gestores públicos brasileiros conceberem e executarem soluções definitivas para problemas que exigem prioridade, como saneamento e abastecimento. Pela ausência de visão mais humanitária dos políticos nacionais. O orçamento secreto previsto para 2022 dá para pagar os 24 anos do programa de carro pipa.
A solução existe. É a implantação de pequenos sistemas adutores em pequenos povoados e comunidades. Já existem várias experiências no Nordeste e no interior da Paraíba. O programa de cisternas também é fundamental. Mas não se escuta um discurso apontando soluções definitivas para os problemas da população, como esse em tela. O carro pipa é uma extensão da indústria da seca. O pipeiro é fonte de renda para parentes e cabos eleitorais de políticos. O gripo por água ainda rende voto. Por isso, lamentavelmente, o que é para ser temporário se torna quase definitivo.