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Mulher agredida por médico de João Pessoa explica por que não denunciou violência: ‘se eu reagisse eu apanhava mais’

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A paraibana Rafaella Lima tem 32 anos. É enfermeira e estudante de medicina e durante mais de três anos manteve um relacionamento com o médico João Paulo Souto Casado, de 41 anos. Ele foi flagrado por câmeras de segurança de um prédio em que ambos moravam juntos agredindo a vítima em pelo menos duas oportunidades diferentes. Em entrevista à jornalista Larissa Pereira, Rafaella fala do período em que morou ao lado do agora ex-companheiro e revela o quão grave pode ser a violência estrutural contra a mulher. Isso porque, depois de ter reagido na primeira vez que foi agredida fisicamente, a enfermeira diz que parou de reagir para assim “sofrer menos”.

Ela lembra que, na primeira vez que apanhou, pega de surpresa, institivamente reagiu. E foi justo nesse dia que ela ficou mais machucada. Assim, quando a cena se repetiu alguns meses depois, ficou acuada:

“Dessa vez eu não reagi. Eu entendi que se eu reagisse eu apanhava mais. Era mais inteligente não reagir”, declara, emocionada.

A vítima das agressões confessa que morria de vergonha de toda a situação e que durante muito tempo tudo o que ela queria era esconder das pessoas que a cercavam o que estava acontecendo. Na hora das agressões, partia dela a preocupação de não fazer alarde.

“Eu fazia o mínimo de barulho possível, porque eu não queria que ninguém ouvisse nada. Eu não gritava e tentava ir para longe da sala de estar para os vizinhos não escutarem”, revela.

Os dois se conheceram por volta de 2013, quando João Paulo foi monitor de Rafaella numa disciplina de um curso de enfermagem, ainda nos tempos de estudante. Naquela oportunidade, contudo, nada aconteceu, de forma que eles so foram se reencontrar em 2019, quando os dois passaram a se seguir pelas redes sociais. O namoro não demorou para se iniciar e, em 2020, quando veio a pandemia de Covid-19, resolveram morar juntos.

Ao relembrar aquele início, Rafaella fala de um período mais feliz, sem violência. Pelo que ela diz, eram tempos de conquistas. “Ele era uma pessoa gentil, agradável, alegre, disponível. Criava um mundo inteiro para você entrar nele”, relembra. “Ele me conquistou e conquistou as pessoas que estavam no meu entorno”, completa.

Rafaella Lima destaca ainda que foi ele quem a incentivou a voltar à estudar, a ir em busca de seu sonho de ser médica. Ao mesmo tempo, pouco a pouco foi convencendo ela a não trabalhar, a se dedicar exclusivamente aos estudos e à casa em que eles moravam. Começava aí uma dependência financeira que ela tem certeza ter sido prejudicial no futuro.

A postura dele começou a mudar, segundo o relato da vítima, em 2021, um ano depois de terem começado a morar juntos. Foi quando se iniciou brigas por motivos banais, quando ele começou a ser grosseiro, a passar na cara dela que era ele quem pagava as contas da casa e o curso dela.

“Se ele visse uma coisa fora do lugar, ele já reclamava. Uma louça na cozinha era motivo de reclamação. E ele fazia comparações. Dizia que trabalhava o dia inteiro e eu ficava só estudando”, descreve.

Comentários e situações que foram ficando cada vez mais frequentes, com um tom de voz cada vez mais firme, até que veio a primeira agressão. Essa aconteceu um ano antes daquela primeira que seria flagrada pelas câmeras de segurança do prédio em que moravam, dentro de um elevador.

Naquela primeira vez, ambos foram jantar na residência de um casal de amigos. Quando retornaram, começou uma discussão aparentemente banal. “A gente tinha que concordar com a opinião dele. Se não concordasse, ele achava que era um desaforo. Aí eu comentei algo que era irrelevante, mas que para ele era um atrevimento. Foi quando teve a primeira agressão”.

Ainda de acordo com Rafaella Lima, foram murros, tapas, chutes. Foi o dia em que ela foi pega de surpresa e acabou revidando. Foi a vez também em que ela mais se machucou.

Ela explica que naquele dia, ainda assustada, dormiu fora de casa. Só voltou no dia seguinte. Passaram algum tempo meio estranhos, sem se falar direito, até que ela resolveu relevar.

“Ele me pediu desculpas. Eu não achei que iria acontecer de novo”, admite, mais uma vez começando a chorar.

Ademais, havia um detalhe que a fazia esquecer a agressão e achar que a partir dali tudo seria diferente. “Toda vez depois de uma agressão, a gente passava meses, entre aspas, em lua de mel”.

Rafaella conta que João Paulo Souto Casado normalmente pedia desculpas, chorava, dizia-se arrependido depois de cada agressão. E que também demonstrava incômodo com as marcas que ficavam no corpo dela. Mas que, a despeito disso, as agressões se repetiam. As verbais de forma regular e frequente, as físicas de forma mais esporádicas. Na segunda vez, como já dito, ela parou de reagir.

“Uma vez a gente estava conversando sobre o trabalho dele, e eu comentei que talvez ele fosse um pouco egocêntrico e que isso poderia prejudicar ele. Foi apenas uma opinião, mas naturalmente ele não gostou. Foram mais tapas, socos, chutes”, descreve.

Uma outra questão importante é que, ela diz, não havia um padrão. Ele já a agrediu bêbado, sóbrio, de todas as formas possíveis. O que não mudava era o jeito como ela reagia. “Eu não tinha coragem de contar a ninguém. Eu gostava dele. Estava envolvida emocionalmente. Fazia de tudo para que as pessoas não soubessem de nada”.

Para esconder as marcas cada vez mais frequentes, passava a usar roupas mais compostas, que cobriam os hematomas. Quando o arroxeado chegou ao rosto, passou vários dias sem sair de casa para ninguém ver o machucado.

Até então, contudo, as agressões eram sempre dentro de casa. Ninguém sabia de nada. Aí veio a cena no elevador, gravada pelas câmeras de segurança do prédio. Foi quando a administração do condomínio ficou sabendo da agressão e denunciou o caso à polícia. Tempos depois, chegou uma intimação para ela ir à Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam). Ela não teve coragem de denunciar, não quis levar o caso adiante.

O caso foi arquivado, desrespeitando entendimento do STF, de 2012, que decide que casos de violência física contra a mulher devem ser investigados independente do desejo da vítima. Depois que as agressões vieram a público, a delegada foi afastada de suas funções.

Independente dos erros cometidos pela Polícia Civil da Paraíba, ela explica o que se passava naquela época. “Eu não tive coragem de denunciar, eu neguei tudo. Eu tinha medo”, confessa. “Eu nunca quis essa exposição. Eu só queria me livrar daquela situação”, completa.

Depois, ela admite momentos de dúvidas que eram sempre seguidos por insegurança. “Várias vezes eu pensei em denunciar, mas tinha medo. Ele era uma pessoa pública e eu não era ninguém”, comenta, chorando uma vez mais.

Além disso, havia os deboches, as declarações de que nada iria acontecer contra ele. Segundo Rafaella, o médico João Paulo demonstrava certeza de impunidade. “Ele não tinha medo. Eu que tinha vergonha”.

A decisão de se livrar de toda aquela situação se tornou mais forte em dezembro de 2022, após mais uma agressão que se passou dentro do carro. Naquele dia, ela finalmente percebeu que não dava mais.

Rafaella narra que o ex-companheiro, o médico João Paulo Souto Casado, estacionou o carro de repente na avenida Epitácio Pessoa. Parou o veículo especificamente para bater nela. E que ele mirou todos os golpes exclusivamente na cabeça dela, de forma deliberada, e na hora da surra mandava ela tirar as mãos para não deixar marcas das agressões. Aquele detalhe ligou o sinal de alerta de forma definitiva.

“Eu até disse a ele: ‘Não é loucura, não é doença, não é nada. Porque você sabia exatamente o que você estava fazendo, você calculou exatamente onde você ia bater, você calculou o que não daria problema para você’. Aquilo mexeu mais comigo”, desabafa.

Não o abandonou naquele dia, mas ela confessa que a relação já não era mais a mesma. Tempos depois, houve mais uma discussão. A comparar com as demais, foi até branda. Mas havia todo o acumulado de meses e mais meses de violência doméstica. Ele saiu de casa pouco depois para ir trabalhar, ela saiu logo depois para nunca mais voltar.

O que diz a defesa do médico

A defesa de João Paulo Casado nega que existiram outras agressões além das filmadas pelo circuito de câmeras do condomínio, afirma que o médico estava sendo chantageado, acusa Rafaella de maus-tratos contra o filho dele e diz que o médico está arrependido. O médico também gravou um vídeo pedindo desculpas a Rafaella e a outras mulheres que tenham se sentido ofendidas.

“Ele atribui, não justifica, mas atribui aquelas aquelas cenas ao estresse que vivia emocionalmente naquele período. E também acrescentado pelo fato de que havia da jovem, da doutora Rafaela com relação ao seu filho, uma animosidade. Tanto é assim que nas imagens mostram ele após efetivamente produzir aquelas agressões, ele acalentando o filho. Ele disse, ali instantes antes, ter tido uma severa discussão com ela, […] em que ela lançou impropérios contra o garoto. Então ele, no ímpeto da emoção, acabou fazendo o que aquelas imagens mostram”, disse o advogado Aécio Farias.

Rafaella nega a versão do advogado e diz que sempre se deu bem com o filho de João Paulo.

Relembre o caso

Em um vídeo, gravado em abril do ano passado, o médico João Paulo Souto Casado está em um elevador e puxa o cabelo da mulher e a empurra várias vezes, na frente de uma criança. Já em outras imagens, de setembro de 2022, a vítima é agredida com socos dentro de um carro.

Em entrevista ao Bom Dia Paraíba, no último dia 11, a delegada Paula Monalisa explica que as imagens foram entregues à polícia, pela própria vítima, em agosto deste ano.

“Ela procurou a delegacia e nos forneceu essas imagens. Ela também foi ouvida, com bastante riqueza de detalhes, e as medidas protetivas já foram solicitadas e deferidas pela Justiça. O inquérito está em andamento”, falou a delegada.

A polícia chegou a pedir a prisão de João Paulo Casado, mas o pedido foi negado pela Justiça. Ele chegou a se apresentar à polícia, ficou calado durante o depoimento e foi liberado.

Afastamento dos cargos

Após a divulgação das imagens nas redes sociais, a secretária interina de Saúde de João Pessoa, Janine Lucena, publicou nas redes sociais uma nota em que pediu o afastamento imediato de João Paulo do cargo do diretor técnico do Trauminha. No Diário Oficial de João Pessoa, foi oficialmente publicada a exoneração do diretor técnico do Trauminha.

Além disso, João Paulo também é Cabo Bombeiro Militar da Paraíba e médico atuante no Grupo de Resgate Aeromédico do Corpo de Bombeiros (Grame) e no Hospital de Emergência e Trauma de João Pessoa.

A Secretaria de Estado da Saúde da Paraíba (SES-PB), em nota, informou que “repudia as agressões e se solidariza com a vítima, afastando, portanto, o servidor de sua função pública”.

O secretário de Saúde da Paraíba, Jhony Bezerra, divulgou que afastou o servidor de ambas as funções no Trauma e no Grame.

Já o Conselho Regional de Medicina da Paraíba (CRM-PB) informou em nota que determinou a abertura de uma sindicância, considerando os artigos 23 e 25 do Capítulo IV do Código de Ética Médica.

O Corpo de Bombeiros informou que um procedimento apuratório para investigar a conduta do médico, que é militar do CB desde 2005, vai ser aberto.

Os referidos artigos dizem respeito à “Tratar o ser humano sem civilidade ou consideração, desrespeitar sua dignidade ou discriminá-lo de qualquer forma ou sob qualquer pretexto”, e “Deixar de denunciar prática de tortura ou de procedimentos degradantes, desumanos ou cruéis, praticá-las, bem como ser conivente com quem as realize ou fornecer meios, instrumentos, substâncias ou conhecimentos que as facilitem.”

Como denunciar casos de violência contra a mulher

Denúncias de estupros, tentativas de feminicídios, feminicídios e outros tipos de violência contra a mulher podem ser feitas por meio de três telefones:

197 (Disque Denúncia da Polícia Civil)

180 (Central de Atendimento à Mulher)

190 (Disque Denúncia da Polícia Militar – em casos de emergência)

Além disso, na Paraíba o aplicativo SOS Mulher PB está disponível para celulares com sistemas operacionais Android e iOS e tem diversos recursos, como a denúncia via telefone pelo 180, por formulário e e-mail.

As informações são enviadas diretamente para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, que fica encarregado de providenciar as investigações.

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